A discussão sobre a descriminalização/legalização ou não da maconha é, de certa
forma, curiosa. Cada vez mais tenho a convicção de que argumentos baseados
puramente em ideologias não se sustentam frente às descobertas científicas sobre
os danos provocados pela droga. Elas não param de surgir, tanto no âmbito social,
quanto em saúde.
Um dos exemplos é o estudo publicado em fevereiro na JAMA Psychiatry,
publicação científica das mais respeitadas do planeta, que demonstra que quem
usa maconha na adolescência tem um risco maior de desenvolver depressão ou
comportamento suicida na vida adulta, do que quem não consumiu a droga.
Falamos de um risco 37% maior no caso da depressão e de 50% em relação ao
comportamento suicida. Esse levantamento acompanhou mais de 23 mil pessoas,
da adolescência até a fase adulta e é um dos mais relevantes já feitos na área de
dependência química.
Outro importante veículo, o The Lancet Psychatry, publicou no último dia 19 um
estudo realizado com quase mil pessoas de diversas localidades da Europa e do
Brasil. Ele cobriu um período de cinco anos e analisou diferenças entre quem não
faz uso de maconha e quem a consome regularmente (inclusive a de alta potência,
com mais de 10% de THC). Dentre as conclusões, está o fato de que 50% dos
episódios de surtos psicóticos poderiam ser prevenidos dentre os usuários em
Amsterdã , caso a maconha de alta potência não estivesse disponível à população.
Você não leu errado: metade dos casos. O dado em Londres é de 30%.
Estou citando apenas novos estudos novos, que passam a integrar a literatura
médica, mostrando como o consumo puro e simples de maconha é nocivo para a
saúde.
Vamos agora falar do ponto de vista social? Veja o caso dos estados de Washington
e Colorado, pioneiros na legalização da maconha para fins medicinais. Dados
coletados pelo pesquisador Jeffrey Zinsmeister, especialista em políticas públicas
sobre drogas da Universidade da Flórida, mostram que a legalização da maconha
para fins medicinais nestes locais fez com que seu uso fosse maior e aumentasse
mais rápido do que a média nacional americana, inclusive dentre a população de
12 a 17 anos. Na cidade de Denver, que é capital do Colorado, a criminalidade
registrou uma taxa de crescimento anual composta de 11%, entre 2014 e 2016. Em
Washington, duplicou o número de acidentes fatais, relacionados com a maconha,
após a medida.
Abro parênteses para falar da “maconha medicinal”. Uma tecla na qual sempre
bato é a diferença entre fumar a droga e usar substâncias presentes em sua
composição de forma terapêutica. São coisas completamente diferentes! A
maconha é composta de mais de 500 elementos, muitos deles nocivos, mas possui
também itens com efeito medicinal. Simplesmente fumar a droga provoca mais
efeitos alucinógenos e danosos do que terapêuticos. Agora,extrair substâncias para
fins medicinais, sintetizando-as para consumo de forma segura? Ninguém em sã
consciência é contra isso.
Voltando ao social, no caso do Brasil, a questão da criminalidade é um ponto
preocupante. O julgamento da descriminalização do porte de drogas para uso
pessoal, que deve ser retomado em junho no Supremo Tribunal Federal (STF),
pode simplesmente representar um passe livre para o tráfico no país, ao menos de
maconha.
Em 2015, o ministro Gilmar Mendes do STF votou a favor da descriminalização de
todas as drogas, Luis Roberto Barroso e Edson Fachin votaram pela
descriminalização apenas da maconha. Barroso sugeriu fixar o limite de 25 gramas
para a posse de cannabis, uma quantidade suficiente para diversos cigarros da
droga. Veja o risco da medida – a grande maioria do tráfico no Brasil é
caracterizada pela capilaridade, por pequenos traficantes espalhados em
determinado território, vendendo drogas também em pequenas quantidades.
Ocorrendo a liberação do porte para uso pessoal em tal quantidade, ficará muito
complicado diferenciar o traficante do usuário. Na prática, fica mais simples para o
criminoso vender a droga, fortalecendo o crime organizado. É simplesmente
ingênuo pensar o contrário.
Ao analisar friamente os fatos, o que vemos acontecer é que a flexibilização das leis
neste caso provoca danos à sociedade. Como pesquisador e médico, reforço a
importância da utilização de dados científicos confiáveis para embasar políticas
públicas. E os dados alertam a sociedade – a descriminalização é prejudicial à
saúde.
Ronaldo Laranjeira
É professor de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina e PhD em Psiquiatria
pela Universidade de Londres